Você acreditaria se eu
lhe dissesse que ontem um anjo estendeu a mão para evitar que eu caísse? Eu
estava voltando do trabalho, com os pés no chão e a cabeça nas nuvens, quando
uma senhora me disse: “Choveu, e as flores que caíram das árvores foram amontoadas
nessa esquina pela minha vizinha, e formaram uma camada limbosa e escorregadia.
Eu mesma já caí e estou com o tornozelo inchado. Contorne, atravesse a rua e
siga pela outra calçada.”
A atenciosa senhora
levantou a barra da calça, para que eu pudesse ver o estrago que o tombo havia
causado, e continuou caminhando ao meu lado. Depois de contornarmos as flores esmagadas
que, segundo ela, “pareciam ter formado uma camada de areia movediça que
colocava em risco até mesmo os carros que dobravam a esquina”, atravessamos a
rua e, após alguns passos, cruzamos a rua novamente e mudamos de calçada.
Paramos bem em frente ao sobrado onde ela disse que morava.
Como estou sempre com a
cabeça nas nuvens, embora eu passe constantemente por aquela rua, não costumo
prestar atenção às casas e, muito menos, aos moradores. A mulher era falante, e
eu tive que esperar até que ela terminasse para que eu pudesse agradecer e me
despedir.
Hoje, quando passei em
frente ao sobrado, vi um senhor beirando noventa anos, sentado em um banco
próximo ao jardim. Cumprimentei-o e perguntei se a senhora, que havia caído nas
flores amontoadas na esquina, era sua filha, e ele me disse: “Eu sou viúvo e
não tenho filhos. Mudei recentemente para cá e vivo aqui sozinho.”
Eu me desculpei pelo inexplicável
engano e atravessei a rua para esquivar-me novamente das flores que, segundo
aquele anjo, poderiam ter sido motivo de sofrimento e pesar.
Você teria alguma
história semelhante para contar? Eu admito que menti. Embora ontem tenha sido a
primeira vez que conversei com aquela senhora, ela realmente mora naquele
sobrado, e não havia nenhum senhor sentado próximo ao jardim. Mas o fato de eu
ter inventado o final desta história não muda a grande verdade: um anjo não
precisa ter asas e ser incorpóreo; ele pode ser de carne e osso... O que torna
as pessoas anjos ou demônios está relacionado com a quantidade de bondade e
empatia que elas conseguiram amealhar no coração.
Sisi Marques
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