sexta-feira, 30 de maio de 2014

A ROSEIRA DE GUSTAVO E AS ROSEIRAS DE FELIPE

Era uma vez dois irmãos, que se chamavam Felipe e Gustavo. Eles discordavam em tudo; mas, certo dia, eles concordaram que deveriam cultivar rosas para vendê-las no mercado.  Cada um comprou uma muda de roseira e plantou-a em seu jardim. Felipe disse a Gustavo: “Deveríamos ter comprado mais mudas...” Gustavo respondeu: “De jeito nenhum!... Nunca plantamos nada antes, eu prefiro esperar a primeira roseira florescer.”

E Gustavo, pacientemente, esperou, esperou, esperou... Ele colocava um banquinho próximo ao canteiro, e anotava todas as modificações que observava em sua roseira. Houve um dia em que ele se sentiu tão inspirado pelas rosas belas e perfumadas, que povoavam a sua imaginação, que ele desenhou a sua roseira repleta de flores.

Felipe, por sua vez, embora amasse a primeira roseira que havia plantado, sabia que devotar toda a sua atenção a ela, resultaria em ações repetitivas, desnecessárias e improdutivas. Ele confiava na espera saudável, que é fruto da esperança. Ele se recusou a regar sua roseira com a água tóxica da expectativa obsessiva e desmesurada. O que ele fez?!... Comprou mais roseiras e distribuiu sua atenção no cultivo de todas elas.

As roseiras de Felipe floresceram e, por incrível que pareça, a última que ele viu florir foi a primeira que ele plantou. Gustavo não teve a mesma felicidade... Os seus cuidados obsessivos e demasiados provocaram o apodrecimento e, consequentemente, a morte da roseira. Ele nunca mais plantou nada, e decidiu dedicar-se à confecção de flores artificiais.



sexta-feira, 16 de maio de 2014

O SONHO DE OTÁVIO

Otávio passava horas escrevendo... Horas que pareciam minutos... As suas histórias tornaram-se o centro de sua vida. Ele escrevia porque amava o voo que sua imaginação lhe proporcionava. Se ele pudesse, passaria o dia todo escrevendo. Mas não se vive de sonhos. Talvez, ele não tivesse talento, porque o seu sustento vinha de outro trabalho que ele precisava realizar.

Certo dia, quando ele retornou exausto do trabalho, ele se despiu do cansaço quando ligou o seu computador e começou a escrever. Mas ficou intrigado ao verificar que havia um arquivo que ele não se lembrava de ter escrito: “Nosso encontro ao anoitecer”. Curioso, ele abriu o arquivo, e a mensagem dizia:

“Otávio, não se surpreenda com o nosso contato; ele era inevitável. Compartilhamos tantas emoções e, apesar disso, não nos conhecemos como deveríamos. Você ama os seus sonhos, e nós amamos você. Esta noite, visitaremos o seu sono e o conduziremos aos lugares, cuja existência a sua imaginação conseguiu perceber. Não tema; somos seus amigos e, como eu já disse, amamos você.”

O primeiro pensamento que veio à mente de Otávio, após ter lido o arquivo, foi: “Enlouqueci de vez!!!...”

O amigo, que me contou a história, conhecia Otávio. Segundo ele, a partir daquela noite, Otávio nunca mais foi o mesmo. Ele passou a preferir a fantasia à realidade, e todos pensavam que ele havia enlouquecido.

Mas Otávio, após o sonho que tivera com os seus personagens, descobriu que a lucidez residia na fantasia, e que a criatividade também repousava no desejo que o coração tem de enxergar além dos muros que esta realidade constrói: as aparências, os conceitos preestabelecidos, os pensamentos massificados, o humor irônico e deteriorado, as certezas temerosas e inconsistentes...

E Otávio conseguiu desafiar o medo insano e a louca mentira de que não adiantaria dar asas ao coração, porque não havia nada além daqueles limites cruéis que tolhem a liberdade e matam o prazer de viver.

A liberdade infinita que o coração de Otávio conseguiu alcançar tornou-se incompreensível e inadmissível em um mundo que prefere jogar um manto negro sobre a realidade, em vez de apreciá-la em sua pureza.

Otávio, se me ouvisse agora, diria que estou dizendo asneiras: de que adianta defender a realidade e acusar o mundo?!... O mundo é a nossa casa, revestido com os espelhos da realidade, que refletem o que o homem faz deste mundo. Esses espelhos só mostrarão algo melhor quando o homem exibir seu coração.





quarta-feira, 14 de maio de 2014

O HOMEM QUE FAZIA TUDO O QUE LHE PEDIAM


Era uma vez um homem que fazia tudo o que lhe pediam, porque temia magoar as pessoas. E todos o elogiavam por sua bondade incansável.  Mas cada “sim” que ele dizia trazia inconvenientes para a sua vida. E ele começou a perceber que o seu gesto voluntário, com o tempo, parecia tornar-se uma obrigação.

E aquele homem que fazia tudo o que lhe pediam, porque não desejava desagradar aos outros, sentiu-se profundamente magoado quando percebeu que estava sendo manipulado pelos elogios que recebia. E ele começou a dizer “não”. E, a cada “não” que ele dizia, um amigo ele perdia. E todos começaram a criticá-lo por sua falta de disposição em ajudar.

E aquele homem, que antigamente fazia tudo o que lhe pediam, teve que escolher entre desagradar aos outros ou continuar desagradando a si mesmo. E, naturalmente, ele preferiu a primeira opção.




segunda-feira, 5 de maio de 2014

O TRENZINHO AZUL DE ESMERINO



Esmerino passava, várias vezes por dia, na esquina onde havia a única loja de brinquedos da vila. Seus olhos quase se destacavam das órbitas, para irem brincar com aquele trenzinho azul, de madeira, que lhe roubava horas e horas de sono.

É verdade: a preocupação de que o trenzinho fosse vendido, antes que o seu pai tivesse o dinheiro para comprá-lo, fazia com que Esmerino demorasse a pegar no sono. O seu pai trabalhava no mercado e só receberia o salário no final do mês... E faltavam ainda três longas semanas!...

Esquecendo-se dos conselhos de seus amiguinhos para que ele se afastasse de Rodrigo, o garoto rico da região, Esmerino contou a ele sobre o seu receio de que alguém comprasse o trenzinho. Os dois conversaram em uma sexta-feira, e as lágrimas transbordaram dos olhos de Esmerino no domingo, quando ele verificou que o trenzinho não estava mais na vitrine.

Na segunda-feira, os seus colegas disseram: “Foi ele!!! Foi Rodrigo quem comprou o seu trenzinho. Ele não ajuda ninguém!... Ele só gosta de humilhar os outros!...”

Esmerino foi correndo até a loja e sentiu-se arrasado quando o vendedor confirmou que Rodrigo, o menino rico da vila, o havia comprado. O primeiro pensamento de Esmerino foi afastar-se de Rodrigo, mas isso ele não conseguiria fazer porque o sorriso e a espontaneidade de Rodrigo eram tão cativantes!... A palavra “falsidade” começou a ecoar na mente de Esmerino... Mas o seu coração era imenso, e ele preferiu perder apenas o trenzinho.

O final do mês chegou, e o pai de Esmerino, satisfeito, entregou-lhe o dinheiro para comprar o trenzinho. Esmerino, com receio de magoar o pai, não teve coragem de dizer que o seu melhor amigo o traíra e roubara o seu trenzinho. Esmerino escondeu-se atrás de uma árvore e, segurando o dinheiro em uma das mãos, secava as lágrimas com a outra e, quase morreu de susto, quando ouviu a voz de Rodrigo perguntar-lhe: “Você conseguiu o dinheiro?”

Segurando um pacote, cuidadosamente embrulhado, Rodrigo repetiu a pergunta antes de explicar: “O meu pai me proíbe de fazer caridade, portanto, eu não poderia comprar o trenzinho e dá-lo de presente a você. Mas eu também não poderia deixar que outro garoto o comprasse. Ele está aqui... Embrulhado com o papel da loja... Está exatamente como eu o comprei. Eu disse ao meu pai que era um empréstimo... Você tem ou não o dinheiro?!...”

Esmerino sorriu ao entregar o dinheiro a Rodrigo e receber o pacote. Após abraçar e agradecer ao amigo, ele correu para casa para mostrar a seu pai o trenzinho azul que ele havia comprado.