A princesa Lilian, acariciando o
gato que se afeiçoara a ela, murmurou: “Felício é um príncipe sem coração!...
Ele, que parecia tão apaixonado, inexplicavelmente passou a ignorar-me!... Você,
gatinho, é o único que me compreende!... Ele passa horas sentado em seu trono,
coberto com aquele manto de indiferença e arrogância, cercado por aqueles gatos
que parecem adorá-lo!... Só eu que me preocupo!... Ninguém mais parece notar o
quanto Felício mudou!...”
Ao contrário do que a princesa
imaginava, o rei Crudêncio havia notado a mudança de comportamento do filho e
era o único responsável por tal transformação. Tudo aconteceu porque o rei era
muito cruel e não aprovava a conduta gentil de seu filho. Certo dia,
extremamente aborrecido, enquanto acariciava a cabeça de seu gato travesso e
arisco, ele desejou que o gato fosse tão dócil quanto o príncipe, e que o
príncipe fosse tão ardiloso quanto o gato. A fada protetora do castelo ouviu o
desejo do rei e decidiu realizá-lo.
O próprio rei surpreendeu-se
quando o seu filho, de um momento para o outro, começou a apresentar um
comportamento estranho: além de tornar-se frio e egoísta, o príncipe adquiriu
verdadeira paixão por tudo o que se relacionava a felinos; e, inclusive,
reformou a frente do castelo para que ela adquirisse o formato da cabeça de um
gato.
Enquanto a fada esperava,
esperava e esperava que o rei se arrependesse de ter desejado algo tão cruel, a
princesa chorava e passava longas horas lamentando a transformação que o seu
amado sofrera. O seu único ouvinte era o gatinho carinhoso e tristonho, que
abrigava em seu peito o coração apaixonado do desditoso príncipe.
A fada acabou desistindo de
esperar pelo arrependimento do rei e, compadecendo-se do sofrimento da princesa,
devolveu ao jovem príncipe o seu nobre coração. Os dois se casaram e viveram
muito felizes.
A fada, entretanto, não foi tão
benevolente com o rei: durante três longos anos, o coração de um cavalo,
cansado de tanto trabalhar sem nunca ter tido o mínimo reconhecimento, bateu em
seu peito. Quando o rei morreu, o cavalo que recebera o seu coração, continuou
vivendo e ainda ostentava sua índole orgulhosa e indomável.
Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)